
Na última semana, o Brasil perdeu Preta Gil, uma mulher forte, artista, mãe e, como tantas outras, vítima de um sistema que empurra mulheres ao fundo do poço justamente quando elas mais precisam de amparo. Seu nome virou manchete, mas sua dor é compartilhada em silêncio por muitas brasileiras: o abandono no meio do tratamento contra o câncer.
Preta foi traída e abandonada pelo companheiro justamente quando recebeu o diagnóstico da doença. Em vez de apoio, enfrentou sozinha a dureza de um tratamento devastador. E, como tantas mulheres neste país, encontrou suporte não no casamento, mas nos laços de afeto: os amigos que se tornaram irmandade, os familiares que seguraram sua mão quando o chão faltou.
Essa não é uma história isolada. Estudos mostram que mulheres com câncer são mais propensas a serem abandonadas por seus parceiros durante o tratamento. Não é o contrário. Não são os homens os mais abandonados, são as mulheres.
Elas, que tantas vezes seguram a barra da família inteira, são deixadas para trás quando seu corpo já não consegue mais cumprir o papel social que lhes é imposto: o de cuidar, servir, agradar. Quando adoecem, perdem a função que lhes foi colocada e, com isso, muitas vezes, perdem também a presença do outro.
O adoecimento feminino expõe, com crueza, a fragilidade de muitas relações. E é aí que entram as redes de apoio: amigas, irmãs, vizinhas, grupos de suporte, profissionais de saúde que não apenas cuidam, mas acolhem. São esses vínculos que mantêm essas mulheres de pé quando o companheiro vira as costas.
Precisamos falar sobre isso. Precisamos encarar o abandono conjugal como mais uma face da violência de gênero, uma violência silenciosa, mas com consequências devastadoras para a saúde física e emocional das mulheres.
A morte de Preta Gil nos comove porque é também a história de tantas mulheres anônimas. Mas ela também nos lembra da força dos afetos, do cuidado coletivo e do poder da solidariedade entre mulheres.
Que a memória de Preta seja também um grito: nenhuma mulher deveria enfrentar sozinha a dor de um diagnóstico. Nenhuma mulher deveria ser descartada quando deixa de cumprir o papel que esperam dela. E nenhuma mulher deveria duvidar de que merece amor, acolhimento e presença, mesmo e principalmente quando adoece.