
Pernambuco enfrenta, há anos, uma grave crise de segurança pública, especialmente no que diz respeito à violência de gênero. Dados recentes revelam que o estado ocupa o 1º lugar no Nordeste em casos de feminicídio, sendo também um dos que mais registram crimes de violência doméstica, estupros e agressões físicas contra mulheres. Trata-se de um problema estrutural, enraizado em um sistema patriarcal, racista e desigual, que segue tratando as vidas das mulheres como descartáveis — principalmente as vidas de mulheres negras e periféricas.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, Pernambuco registrou um aumento preocupante nos casos de feminicídio, com mulheres negras representando a maioria absoluta das vítimas. A cada novo boletim de ocorrência, a cada corpo violado, a cada mulher silenciada, confirma-se o que os movimentos feministas e antirracistas denunciam há décadas: o Estado falha sistematicamente em proteger aquelas que mais precisam.
A violência contra as mulheres negras é interseccional. Ela não é apenas uma expressão do machismo — é também fruto do racismo estrutural, da pobreza, da falta de acesso à justiça, à saúde e à moradia digna. Mulheres negras vivem, em sua maioria, nas periferias, exercem trabalhos precarizados e estão expostas a múltiplas formas de opressão, o que as torna alvos mais vulneráveis da violência doméstica, do abuso policial, da negligência institucional e da desumanização cotidiana.
Além disso, os índices de subnotificação são altíssimos. Muitas mulheres não denunciam por medo, vergonha, dependência econômica ou, simplesmente, porque sabem que o sistema não irá protegê-las. Em muitos casos, o próprio Estado torna-se agente da violência — seja pela omissão, seja pelo atendimento desrespeitoso e revitimizador nas delegacias e serviços públicos.
Nesse cenário alarmante, é impossível ignorar a ausência de respostas concretas e eficazes do Governo de Pernambuco. Mesmo com uma mulher à frente do Executivo estadual, não se observa um compromisso firme com políticas públicas voltadas à segurança e à proteção das mulheres. Não há ampliação significativa da rede de atendimento, nem investimento real em delegacias especializadas, casas de acolhimento ou programas de prevenção. A omissão da atual gestão aprofunda a vulnerabilidade das mulheres — especialmente das negras e periféricas — que continuam morrendo sem que o Estado se mobilize para transformar essa realidade.
Ser mulher não é garantia de compromisso com as pautas das mulheres. O combate à violência exige mais do que representatividade: exige ação, escuta e vontade política. Não basta ocupar o cargo — é preciso governar com coragem, sensibilidade e responsabilidade diante de uma crise que ceifa vidas todos os dias.
É urgente reafirmar a importância de políticas públicas específicas para o enfrentamento da violência contra as mulheres negras. É necessário investir em educação antirracista e de gênero desde a infância, ampliar e fortalecer a rede de proteção (como as Delegacias da Mulher, casas de acolhimento, centros de referência), garantir recursos para o atendimento psicológico e jurídico, e fomentar campanhas permanentes de conscientização.
Mais do que isso, é preciso ouvir as mulheres negras. Incluir suas vozes nos espaços de decisão. Valorizar o trabalho das lideranças comunitárias, das organizações feministas e dos coletivos que, mesmo com poucos recursos, atuam diariamente na proteção e acolhimento das vítimas.
O enfrentamento à violência contra as mulheres também exige que o Estado olhe para os homens — aqueles que cometem, já cometeram ou podem vir a cometer essas violências. É fundamental que existam programas de reeducação, rodas de escuta, acompanhamento psicológico e projetos de masculinidades não violentas, que abordem o machismo estrutural, o controle, a posse e a cultura do estupro. A responsabilização penal é necessária, mas não é suficiente. Se não houver investimento em prevenção e transformação, esses homens seguirão perpetuando o ciclo da violência. Cuidar das mulheres também passa por transformar os homens.
O combate à violência contra as mulheres — especialmente contra as mulheres negras — não pode ser episódico, nem tratado como estatística. Trata-se de um compromisso civilizatório, ético e político. Enquanto mulheres negras seguirem morrendo, sendo silenciadas, invisibilizadas e violentadas, não haverá democracia real em Pernambuco — nem em lugar nenhum.